domingo, 30 de agosto de 2009

Odivelas -By Paty


Depois uma pessoa cresce e habitua-se a sofrer. A esperar. A sonhar um bolo gigante a partir de três migalhas. A acreditar no impossível. A desejar o impensável. A querer que aqueles que amamos nos tragam o mundo numa bandeja.
A isto chama-se carregar pianos .
Até ao dia em que uma pessoa se cansa, baixa os braços, olha para o piano, encolhe os braços e diz agora basta. Basta de espera, de abnegação, de sonhos, de promessas, de palavras mágicas e inconsequentes.
Basta de promessas de amor, de castelos de areia, de adiamentos e hesitações, de ausências e de dúvidas…
E sentimo-nos a desmanchar por dentro.
Não é a partir, é só a desmanchar, como se nada tivesse forma ou fizesse sentido. E o piano está ali mesmo em frente, à espera de ser carregado.

Dá vontade de pegar num martelo e de o destruir de raiva. Dá vontade de o abrir e tocar meia dúzia de notas. Dá vontade de descansar sobre ele e falar-lhe baixinho, ao ouvido das cordas, para lhe explicar o que se passa.
Que o cansaço já está acima do sonho, que o medo está acima da força, que a vontade comanda a vida, mas não o amor.
Explicar que o tempo há-de trazer nos ventos a indicação de um caminho qualquer para onde o piano possa ir sem ser carregado…
Carregar pianos. Para quê, se quase todos têm rodinhas?
Não é desistir, é só mudar de vida e esperar que ela nos traga
o que mais precisamos,
sem partir as costas
nem torcer os braços.

E geralmente até traz.

Margarida Rebelo Pinto